Todos os modelos estão errados. Mas isso não impede que alguns realmente funcionem.
Olá, oferendas do réveillon devolvidas por Iemanjá! Curemos essa ressaca e voltemos ao trabalho. Proponho-lhes hoje uma pequena pausa no assunto que estávamos tratando. Quero falar de outro tema igualmente importante. Para isso, eu preciso revelar alguns podres do meu sórdido passado. Quando eu lecionava no Ensino Médio, todos os anos, nós, professores, éramos brindados com palestras maravilhosas & interessantes (cuidado: sarcasmo) sobre didática e disciplina, sobre como deveríamos trabalhar. Essas palestras eram ministradas por "educadores" com vários títulos, ostentados como medalhas de generais sem batalha, quer dizer, pessoas que nunca tinham posto suas patinhas catedráticas & acadêmicas numa sala-de-aula de verdade. Aquilo soava como uma ofensa à platéia semidesperta de professores. ¿Mas fazer o quê?
O mais curioso dessas sessões de tortura auditiva era que, todo ano, quase que na mesma freqüência & sincronia de lançamento das mùsiquinhas carnavalescas, eram inventados novos melôs pedagógicos. Num ano, a moda era "ensinar para a cidadania". No outro ano, a febre era "educar para a inclusão". No ano seguinte, a onda era "ensinar para o bem comum". Em todos os casos, nós, professores, continuávamos fazendo o que sempre fizemos. (O cinismo é o antidepressivo dos desencantados). A diferença era que o processo pedagógico ganharia, doravante, algum verniz ideológico indisfarçável — que ora pendia para o verde-chico-mendes, ora pendia para o vermelho-carlos-marques. A educação tornava-se um veículo de pregação ideológica, e oscilava conforme as pautas da esquerda reinante. A única constante era que, todo ano, surgia algum melô.
O motivo é o seguinte: assim como toda disciplina de humanas, a pedagogia não é uma "ciência exata" de resultados constantes e prèvisíveis, estando, portanto, sujeita ao ideário e ao subjetivismo ensandecido dos fregueses. Dizendo em poucas palavras, estamos no reino do vale-tudo, onde a soma de 2+2 dependerá não da aritmética, mas do partido político, sìndicato ou igrejinha de quem fizer a conta. Por causa disso, salvo raras & honrosas exceções (nas quais eu não incluo Paulo Freire), a pedagogia é um terrenho fértil para os encantadores-de-serpentes, os embusteiros, os charlatães e os vendedores de óleo-de-cobra. ¿Mas isso-tudo é culpa dos pedagogos & educadores? Apenas em parte. O diabo é que o processo pedagógico é tão afetado por vàriáveis externas, múltiplas e caóticas que, quando uma nova teoria fracassa, é sempre possível pôr a culpa nos astros.
A essa altura do texto, o leitor já deve estar coçando a cabeça. "¿Aonde o Fernando quer me levar com essa conversa?" Calma, leitor. Sossega essa pitomba! O ponto aonde eu quero chegar é o seguinte: eu tenho notado que, no mundo do empreendedorismo e das microempresas, está acontecendo a mesma coisa que no campo da educação e da pedagogia: todo ano tem um melô novo; todo ano aparece um modelo mágico, uma nova bala-de-prata infalível que resolverá as dificuldades do empreendedor. Não é à toa: sendo o empreendedorismo um campo tão exposto às incertezas, o que não falta são tentativas criativas de detectá-las e neutralizá-las. As combinações parecem ser infinitas. E isso tem oferecido pasto verde àqueles nossos velhos amigos: os encantadores-de-serpentes, os embusteiros, os charlatães e os vendedores de óleo-de-cobra.
O engraçado é que os gurus que prometem revolucionar as microempresas com seus melôs de gestão, padecem dum mal inverso ao dos pedagogos. Estes últimos, incluem em suas teorias todos os fatores humanos — os mais exóticos, os mais indóceis — e produzem como resultado um balaio-de-gatos sem noção. Depois, por meio dum contorcionismo interpretativo, qualquer resultado desse vale-tudo é crèditado à sapiência do educador-de-gabinete. Por outro lado — e aqui eu chego ao ponto — os gurus da gestão tentam eliminar dos seus modelos todas as vàriáveis humanas, criando teorias pasteurizadas e robóticas que, tirando as pessoas, funcionariam perfeitamente. Seus modelos são como essas casas de revista, decoradas com extremo requinte, mas nas quais não podem entrar animais, crianças, visitas e... moradores — que é para não estragar a arrumação.
É com esses modelinhos robòtizados que são criados cursos, consultorias, pùblicações e carreiras estelares. É só seguir o passo-a-passo e o sucesso é garantido. Passo 1: ignore que você trabalha com pessoas humanas; todos agora são meras engrenagens duma máquina de moer gente. Passo 2: jogue para fora da equação a sociedade, o ecossistema e o contexto político-cultural em que sua empresa está inserida. Passo 3: faça-de-conta que seus clientes & sócios, seus funcionários & fornecedores são robôs lesados desprovidos de liberdade, vontade e consciência. Passo 4: aplique robòticamente minha receita-de-miojo administrativa. Passo 5: se nada der certo, repita todos os passos de acima até sua empresa quebrar. Passo 6: antes de quebrar, pague por minha consultoria estratégica infalível & cheirosa. Passo 7: prepare o bolso para o próximo melô que sairá no carnaval.
Muitos estudantes de engenharia e administração elaboram suas monografias assim: pegue o modelo, aplique-o cegamente e ninguém sairá machucado, desde que todos os fatores humanos sejam ignorados. Mas o problema — ah, o problema! — é que as vàriáveis humanas recalcadas voltam piores, batem à porta e entram doidas para sabotar seu modelinho perfeitinho. E elas sempre fazem estrago. Afinal, você não imaginava que a peãozada da fábrica iria bolar uma operação corpo-mole para ferrar com seu colorido kanban, né? Você também não levou em conta a curva-de-aprendizado dos funcionários recém-contratados quando implantou seu fantástico 6 Sigma, né? E deixa eu lhe contar um segredo: ¿sabe aquele plano-de-metas que você bolou? É... ele vai ser sabotado e arruìnado por aquilo que Weber chamava de "muralha do costume". Aguarde.
Recapitulando: a administração, assim como a pedagogia, está passando por uma febre de melôs, de modinhas de gestão de empresas. A diferença é que os modelos propostos por ela tendem a ignorar as vàriáveis humanas, o contexto político-cultural, a sociedade... enfim: tudo-aquilo que voltará com força total para sabotar e arruìnar esses mesmos modelos. E agora você, leitor, novamente coça a cabecinha e pergunta: "Então, ¿por que devemos estudar administração, se os modelos não funcionam?" Calma, leitor! Sossega essa pitomba! Eu não disse que os modelinhos não funcionam; eu só disse que eles estão todos errados e, quando funcionam, é por motivos que o próprio modelo se esforçou para desprezar. Dentre essas razões de sucesso imprevisto, estão a liderança, a persuasão e a empatia, a cultura da empresa... ¿E o que são esses senão fatores humanos?
Não é à toa que, num momento de explosão dos modelos quadrados, os livros de gestão mais vendidos falem justamente de liderança, empatia, persuasão, motivação, negòciação — assuntos com uma fortíssima carga psicológica, sociológica e "fora da caixa". De certa forma, o mercado de gurus de gestão alimenta-se do próprio fracasso: dum lado, oferece estratégias inumanas que certamente fracassarão. Do outro lado, vem com uma suposta solução para isso: baboseira de autoajuda destinada a aliviar os medos e acalmar as angústias das pessoas que foram trituradas pelos modelinhos do outro grupo. ¿Entenderam o esquema? Eu penso que modelos de gestão são ferramentas poderosas quando estão à serviço duma visão ampla e social da coisa. Caso contrário, eles têm mesma a eficácia do horóscopo. E até relógio parado acerta a hora duas vezes por dia.
Até-mais-ver!
¿QUEM É JOHN GALT?
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